quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Posso acreditar no que a minha mente me diz?

Não sei como é com as outras pessoas, mas comigo a minha mente está sempre a enganar-me. Especifiquemos. A minha mente engana-se relativamente à minha vida interior, porque em relação ao mundo físico externo até funciona bem. Sim, é certo que tem a tendência programada e seleccionada durante milhões de anos para sobrestimar as ameaças exteriores (nesses milhões de anos, quem fez isto sobreviveu; quem subestimou ameaças, morreu cedo). Mas, genericamente, funciona bem.

Mas, no que se refere à minha vida interior, as coisas são bem piores. É ela a dizer-me que se comer aqueles chocolates vou ficar consideravelmente melhor; ou se não me confrontar com aquela pessoa que está a fazer-me mal, vou ter mais paz do que se o fizer; ou se comprar aquele carro muito mais caro (mesmo que, para isso, tenha de me endividar), vou viver muito mais feliz; etc, etc.

Então... se não posso confiar na minha mente no que respeita à minha vida interior, em quem ou em quê posso confiar eu?

Como dizia Ricardo Reis, "Vivem em nós inúmeros; (...)" (*).
Assim, de entre várias, posso confiar naquela parte de mim que procurou e encontrou o que dá significado à minha vida, que me faz sentir realizado e com a sensação de viver uma vida plena (em Ricardo Reis, a sua escolha incidiu na escrita).
A seguir, posso também confiar na parte de mim que observa e que pergunta, "Será que isto me aproxima daquilo que eu valorizo para a minha vida, ou não?". Parte essa que, depois, faz a sua escolha em plena liberdade (ainda que essa escolha possa trazer um mal estar imediato).

(*) Ricardo Reis

Vivem em nós inúmeros;

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.
Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu escrevo.
13-11-1935
Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994. 
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